sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Aviso aos náufragos



Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?


Paulo Leminski


* “Melhores Poemas de Paulo Leminski”, organizado por Fred Góes, Editora Global

sábado, 10 de agosto de 2013

A Terra Prometida





Poder dormir
Poder morar
Poder sair
Poder chegar
Poder viver
Bem devagar
E depois de partir poder voltar
E dizer: este é o meu lugar
E poder assistir ao entardecer
E saber que vai ver o sol raiar
E ter amor e dar amor
E receber amor até não poder mais
E sem nenhum poder
Poder viver feliz pra se morrer em paz

Vinícius de Moraes



sábado, 8 de junho de 2013

Travessia




Travessia

quieto
observo a paisagem

silêncio quebrado
por um poema
pedindo passagem

Marco Cremasco

foto de Solange Cremasco

sábado, 11 de maio de 2013

Identidade



Preciso ser um outro
Para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que desgasta


Sou pólen sem inseto


Sou areia sustentando
O sexo das árvores

Existo onde me desconheço
Aguardando pelo meu passado
Ansiando a esperança do futuro


No mundo que combato morro
No mundo por que luto nasço



Mia Couto, em "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails